quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A luta de classes no Pinheirinho

A narrativa que segue é uma tentativa de mostrar a experiência vivida na semana que estive em São José dos Campos-SP nos dias 10/01 até 18/01

Pinheirinho: a guerra já começou para a classe trabalhadora em 2012

No dia da chegada não percebia a dimensão da ocupação do bairro Pinheirinho, e muito menos de como a história daquela propriedade era controversa, sem muitas explicações verídicas. A mídia local não trazia nenhuma notícia confiável, e somente publicava o problema sem muito aprofundamento, a não ser quando lhe interessava a carnificina que poderia vender como notícia. Essa era a conjuntura que encontrei, em uma cidade de médio porte como é São José dos Campos (quase 700 mil hab.) e com um déficit habitacional enorme. O bairro do Pinheirinho vem como um reflexo da especulação imobiliária que o Brasil sofre nos últimos anos. Mas para entender a ocupação do Pinheirinho é necessário saber a história da Selecta S/A e do especulador Naji Nahas.

O território onde aquele bairro se encontra tem algumas lacunas que até agora não foram esclarecidas. O terreno pertencia a um casal de alemães que, na década de 60, foi misteriosamente assassinado e sem deixar herdeiros. “Contudo, estranhamente, desde 9 de setembro de 1981, a propriedade aparece em nome da massa falida Selecta, de propriedade do especulador Naji Nahas”, segundo o advogado que cuida do caso para os moradores. E quem é o tal do Naji Nahas? Me surpreendi! Lembramos da operação “Satiagraha” da Polícia Federal, Daniel Dantas, Celso Pita, grupo Oportunity, etc., todos esses nomes soam familiar. Pois então, a Selecta S/A pertence ao especulador e todo esse grupo aí. E mais, Naji Naras foi o um dos responsáveis por quebrar a Bolsas de Valores do RJ em 1989, com atividades de especulações “imorais”. Ou seja, a Selecta foi uma das empresas de fachada, só existia no papel, e suas ações eram usadas na Bolsa para pedir dinheiro público emprestado e revendê-lo na Bolsa novamente, fraudando todos os dados. Uma jogada de mestre contra o dinheiro público. A empresa “faliu” em 91, e como não possuía nenhum funcionário não teria dívida trabalhista, porém, a dívida com o terreno era em impostos (IPTU), e ficou somente a prefeitura para receber. A dívida com o município ultrapassa 15 milhões, e nunca foi cobrada. Ai é que entra o Pinheirinho.

A ocupação da área ocorreu em 2003, como tentativa de forçar a prefeitura a colocar em prática a política habitacional que o prefeito Eduardo Cury (PSDB) tinha prometido quando fosse eleito. Segundo as informações, desde 2009 foram construídas somente 238 casas, a fila para inscritos no ano de 2011 é de 26 mil. Nem precisa argumentar muito para explicar o porquê da ocupação. Enfim, o Pinheirinho é o mais puro reflexo da especulação imobiliária que se encontra o Brasil, “em São José o terreno iria servir para construção de um condomínio de luxo”, segundo um morador do bairro. Hoje cerca de 1.800 famílias, com mais de 2 mil crianças, sem um teto para morar vivem no local. Devido ao impasse para a regularização da área os moradores foram construindo suas casas e gastando todo o seu suor em sua moradia. No final de 2011, a juíza Márcia Loureiro da 6º Vara Cívil, de São José, aceitando o pedido de reintegração de posse do terreno, coloca mais de 8.000 pessoas apreensivas. Quando terminou o recesso do Judiciário, em janeiro de 2012, a reintegração de posse tinha que ser cumprida. Carol e eu chegamos na cidade dias antes do comprimento dessa reintegração, cenário tenso de terrorismo psicológico em favor do capital e contra a vida humana.

Na noite da reintegração

Na madrugada do dia 10/01 houve uma vigília no Sindicato dos Metalúrgicos de SJC para agregar informações. Estávamos lá para tentar fazer alguma coisa para ajudar. Todos muito preocupados, a polícia militar já tinha dado o ultimato, com o uso da máquina do Estado para praticar o terror: deu rasantes com o helicóptero jogando panfletos para intimidar os moradores, e não foi só isso. Horas antes foi anunciado na sala de reunião do sindicato que um ônibus foi queimado na frente do Pinheirinho. A polícia acusa os moradores, os moradores organizados negaram o ocorrido. Os jornais locais publicaram a foto do ônibus pegando fogo, um espetáculo midiático para primeira página no dia seguinte, com o título da matéria “A guerra começou” e “Dia D do Pinheirinho: polícia isola área após ataque a ônibus”. Com o circo armado podia começar o espetáculo.

Terminada a reunião, por volta das 3hs da madrugada, fomos distribuídos para se deslocar até às fábricas e distribuir panfletos com informações mostrando a monstruosidade e o derramamento de sangue que estava para acontecer. Carol ficou no sindicato para me informar das notícias. Na porta da General Motors os operários recebiam o jornal com certa curiosidade, alguns passavam e não pegavam, mas a maioria queria alguma informação verídica.

Foi quando por volta das 5am, recebi uma ligação da Carol dizendo que tinha sido revogada a reintegração de posse do Pinheirinho, o que foi confirmado minutos depois pelo advogado que estava cuidando do caso. A alegria foi geral, a sensação de vitória tomou conta de nós. Partimos para lá para comemorar aquele feito, que por alguns parecia sem solução, nos últimos instantes, no momento que a polícia já tinha isolado a área, fechando as ruas e deslocado quase 2 mil homens para a remoção, chega a vitória provisória: a reintegração está suspensa por 15 dias.

Ao chegar no bairro não havia como ficar indiferente, milhares de pessoas comemorando e se sentindo vencedoras, pois ainda tinham uma casa para morar; um caminhão de som dividia com as gargantas o espaço sonoro: “viva o Pinheirinho, viva a classe trabalhadora”. Os sindicatos e os partidos políticos (PSTU,PSOL, PT) ajudam na festa, e direcionam pessoas que até ontem estava esquecida pelo poder público. O relógio já batia 7hs da manha quando os gritos anunciavam a festa às 18hs no mesmo local que ocorriam as assembleias cotidianamente. Não consigo expressar fielmente o que vi naquele local, e nem colocar aqui como eles estavam dispostos a lutar até a morte, muitos com lágrimas nos olhos diziam: “Só iria sair se fosse em um caixão!”

À noite, foi só alegria. Música, poemas, teatro, revolução, eram alguns temas que permeavam o local e um sentimento de coletividade colocada pela luta de classes. Me lembrei de uma frase que vi na faculdade: se “ousar lutar é ousar vencer”, os trabalhadores do Pinheirinho estão vencendo. Agora espera-se um planejamento do município juntamente com o governo federal para que se possa regularizar a área, disponibilizando saneamento básico, escola, posto de saúde e transporte público. Mas sabemos que nada é oficial ainda.

O Pinheirinho é o maior assentamento urbano da América Latina, mostrando que a precariedade da habitação é um fato no desenvolvimento das cidades, e que nesses últimos eventos (Cracolândia, Pinheirinho, etc.), colocou a decadência de um sistema econômico opressor (capitalismo), e que a classe trabalhadora é a que vem suportando os horrores das políticas públicas do neoliberalismo, com precarização do público e colocando o funcionamento do Estado em benefícios de alguns Daniel Dantas, Naji Nahas, Eduardo Cury e tantos outros. Isso tem que acabar, o público tem que ser realmente público. 

Parabéns camaradas do Pinheirinho, a luta continua, vocês foram guerreiros e mostraram para todos nós que quando se trata de lutar por dignidade o medo desaparece, e vem o sentimento revolucionário da verdade: pela vida!

 As reuniões acontecem todos os dias às 18hs no centro comunitário do bairro, participe.

Companheiros, obrigado pelos dias vividos!

Alex Willian
São Sebastião-SP. 19/01/2012


As fotos que fizemos estão aqui









Links
http://www.youtube.com/watch?v=CMVNewTPSyU&feature=results_main&playnext=1&list=PLA7734A14E0DCCBF9

http://www.brasildefato.com.br/node/8637

http://www.redebrasilatual.com.br/radio/programas/jornal-brasil-atual/suspensa-por-15-dias-reintegracao-de-posse-no-pinheirinho

http://www.pstu.org.br/movimento_materia.asp?id=13796&ida=0

http://www.ovale.com.br/reintegrac-o-do-pinheirinho-suspensa-por-15-dias-1.208396

http://pt.wikipedia.org/wiki/Naji_Nahas